Comentário ao Projeto de Lei n.º 53/XIV/1.ª
Lisboa, 8 de Janeiro de 2020
Antes de mais, a Associação Portuguesa de Proprietários (doravante “APPROP”) gostaria de frisar que não é uma associação de senhorios, mas sim de proprietários com 9961 associados, até à presente data. A sua missão é proteger os interesses dos proprietários de imóveis sitos em território nacional, que recorrentemente são postos em causa, devido à elevada carga fiscal sobre o património imobiliário e às restrições à autonomia privada.
O PAN inicia a sua proposta de lei, fazendo menção a diferentes estudos que têm como objectivo determinar a percentagem de animais de companhia em lares portugueses e conclui que mais de 50% dos lares têm um animal de estimação. Contudo, devemos olhar para estes estudos e perceber melhor os números.
Segundo a informação apresentada nos estudos, 36% dos inquiridos têm como animal de estimação cães, 23% gatos, e 6% têm peixes e pássaros, sem prejuízo de outros. Contudo, os mesmos distinguem animais de estimação de animais que vivem dentro de casa, o que significa que o aumento do número de animais de estimação não implica, necessariamente, o aumento do número de animais dentro de casa.
Os proprietários que proíbem a existência de animais de estimação somente não permitem a existência de determinadas espécies no locado. Dito de outro modo, tendem a proibir a existência de cães, por fazerem muito barulho, incomodando vizinhos e, bem assim, por causarem prejuízos (roerem a mobília, arranharem portas, por exemplo) e desconhece-se casos de proprietários que tenham proibido a existência de peixes ou pássaros.
O direito à propriedade privada é uma garantia constitucional, prevista no artigo 62.º/1 da Constituição da República Portuguesa. Esta garantia constitucional tem primeiramente em vista a relação do Estado com os membros da ordem jurídica e tem por objectivo salvaguardar não só a existência do direito à propriedade privada, mas também o seu respeito pelos órgãos do Estado e da Administração Pública em geral. A actividade legislativa e administrativa deve ser exercida de modo a não pôr em causa a propriedade de ninguém.
O direito de propriedade tem natureza real. Os direitos reais estão entre os mais fortes da nossa ordem jurídica, pelo que as restrições aos mesmos têm que ser ponderadas.
Na nossa opinião, deve ser feita uma ponderação entre o direito de propriedade, especificamente, o qual inclui os interesses que este tutela e o peso do mesmo direito na ordem jurídica, e a proposta de lei do PAN, a nulidade das cláusulas contratuais que restrinjam a presença de animais de companhia no locado. Posto isto, consideramos que a propriedade privada, enquanto bem jurídico, é superior ao bem jurídico que o PAN pretende tutelar, razão ela qual não se justifica uma limitação do direito de propriedade.
O princípio da igualdade está previsto no artigo 13.º, número 1 da Constituição da República Portuguesa que tem a seguinte redacção: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.” O princípio é aplicado segundo a seguinte máxima: “tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é diferente”.
Não existe descriminação entre pessoas sem animais de estimação e pessoas com animais de estimação, nesta questão do arrendamento. Estas são situações diferentes, porque as implicações entre arrendar uma casa a pessoa que não tenha um animal de estimação e a uma que tenha são diferentes (Exemplo: um cão pode acordar os vizinhos durante a noite). Deste modo, a proibição de animais de estimação em locados é constitucional, por estarmos a tratar de forma diferente o que é diferente.
O sector imobiliário é muito importante para a Economia. Um dos factores que contribui para a dinâmica do sector é a autonomia privada, ou melhor, a ausência de intervenção legislativa quanto à regulação dos direitos dos proprietários. Não é saudável para o mercado imobiliário que a Assembleia legisle o exercício de direitos reais, especialmente quanto a questões não essenciais ou de importância diminuta, tendo em conta que existem outros problemas verdadeiramente importantes. Caso se regule sobre esta questão, estar-se-á a transmitir a ideia de que órgãos legislativos estão dispostos a regular sobre todo o tipo de questões, independentemente da sua relevância.
Salientamos ainda que este projecto de lei foi chumbado por duas vezes. A primeira foi em votação indiciária, a 17 de Outubro de 2018, em sede do Grupo de Trabalho – Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades (GTHRUPC), com votos contra do PSD, PS e CDS-PP, abstenção do PCP, e votos a favor do BE. PEV e PAN não estiveram presentes na votação.
A segunda pela Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, a 18 de Dezembro de 2018.
Não podemos concordar com a aprovação deste projecto lei. No seguimento do que dissemos ao longo deste comentário, consideramos que:
- Este projecto de lei visa regular um problema de escala meramente simbólica (os senhorios têm, como tendência, proibir apenas a existência de certas espécies de animais de estimação e as razões pelas quais o fazem são legítimas);
- Não existe fundamento legítimo para que se limite o direito de propriedade;
- Não existe a violação do princípio da igualdade, mas sim o cumprimento do mesmo;
- A legislação de uma questão diminuta como aquela que se encontra em causa, em comparação com outras questões mais preponderantes para o sector imobiliário, terá consequências negativas para o sector.
Mais restricções ao regime do arrendamento significarão ainda mais casas devolutas ou menos investimento imobiliário.
Pelas razões expostas, somos contra o projecto de lei do PAN, que não é de interesse público nem trará quaisquer aspectos positivos para Portugal ou para os portugueses.